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Artigos

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16 de agosto de 2016
Concessões e PPPs em Transporte Público Coletivo de Passageiros: algumas reflexões

Artigo originalmente publicado na Revista de Engenharia – Edição Abril/Julho 2016 – Ano 73 – Nº 629  https://issuu.com/www.viapapel.com.br/docs/629

Flávio Chevis*

Não haveria momento mais propício para escrever sobre o tema de Concessões e PPPs – Parcerias Público-Privadas. O país mergulhou em uma crise econômica nos últimos dois anos e a participação privada em projetos, notadamente na infraestrutura, é vista como a solução para destravar investimentos. Uma medida provisória (MP 727 de 12/05/2016), recém editada pelo governo interino que se instalou na esfera federal, reflete tal espírito vigente, ao criar o PPI – Programa de Parcerias de Investimentos, estabelecendo algumas mudanças institucionais, mas sobretudo configurando-se como mais uma tentativa de criação de um símbolo que fortaleça o ambiente para acelerar os investimentos em infraestrutura.  No âmbito dos estados, frequentemente programas ou projetos específicos são anunciados sob o modelo de parcerias, seja concessão ou PPP. Nos munícipios, igualmente, embora em menor grau. A Lei Federal 8.987 de Concessões data de 1995, enquanto sua prima-irmã que institui as Parcerias Público-Privadas é do final de 2004, sob o n⁰ 11.079, a qual rebatiza a Concessão da Lei 8.987/95 como Concessão “Comum”’, no intuito de diferenciá-la das então instituídas PPPs, que também são Concessões, mas somente sob as ditas modalidades “Patrocinada” e “Administrativa”. Portanto, independentemente de sua adjetivação, todas são irmanamente “Concessões”. Ao falar de “Concessões”, podemos estar nos referindo a uma PPP também. Mencionando-se PPP, por outro lado, exclui-se a Concessão “Comum”. Devido a este problema de nomenclatura, virou prática comum nomear-se o tema: Concessões e PPPs. Assim, ninguém pode ter dúvida do que se trata,  ou seja, das três modalidades de Concessão: Comum, Patrocinada e Administrativa. Teria sido mais fácil se o legislador houvesse instituído uma alteração da Lei 8.987/95 ao invés de uma nova Lei ao lançar as PPPs, já que todas são concessões. Talvez quem mereceria Lei própria fosse a Concessão Administrativa, que distingue-se da Comum e Patrocinada por não requerer a delegação de um serviço público. As implicações desse arcabouço serão abordadas ao longo deste artigo, cujo objetivo é discorrer sobre Concessões e PPPs na área de transporte público coletivo de passageiros, apresentando-se alguns “casos” baseados nas diversas modalidades de Concessão, assim como em diferentes estágios de estruturação ou implantação, bem sucedidos ou não. Buscar-se-á, sobretudo, compreender os principais condicionantes.

Usualmente, o tema das Concessões e PPPs tende a ocupar um espaço de discussão ideológica sob a égide da dicotomia privado x estatal ou da privatização x estatização. Esse ponto de vista não reflete adequadamente a problemática, trazendo sérios riscos no processo de aceitação/aprovação, modelagem, estruturação e gestão de um determinado projeto, principalmente no caso do transporte público coletivo de passageiros, notoriamente um serviço público regido pela Constituição Federal que define em seu Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. 

Ao se tratar de Concessões e PPPs de transporte público coletivo de passageiros, as análises devem ser subsumidas ao Planejamento e Políticas Públicas. O regime de concessão é mero mecanismo de implantação e/ou operação e gestão do sistema, sub-sistema ou componente de transporte público em voga, nunca substituindo o papel constitucional do Poder Público, metamorfoseado em Poder Concedente. A empresa privada, constituída como concessionária, desempenha seu papel sempre na forma do contrato e da regulação superveniente, exercendo maior grau de liberdade apenas quanto aos empreendimento ou projetos associados (receitas acessórias), todavia ainda tendo de reverter ao menos parte desse retorno econômico-financeiro à modicidade tarifária (obviamente do serviço público, prestado sob a concessão).

Portanto, privatizar um sistema, sub-sistema ou componente de transporte público é apenas conceder, por prazo determinado, certas atribuições. Até mesmo operadoras de controle estatal, ou de capitais mistos, devem ser vistas como concessionárias, sendo, ou não, assim regidas legalmente, pois se constituem entes com vida própria, engendrando corporações de natureza análoga às concessionárias privadas. A ótica correta da Modelagem de Concessões e PPPs é, por conseguinte, a do projeto, e não de sua constituição estatal ou privada. Na evolução da história econômica, se outrora vivemos o feudalismo e passamos para os primórdios do capitalismo em sua fase de acumulação primitiva, desta consolidou-se, sequencialmente, o capitalismo comercial, industrial, monopolista, financeiro, com períodos de convivência ao lado do chamado socialismo real. Podemos afirmar que na atualidade vive-se a era do capitalismo de projetos. Era na qual a demarcação deixa de ser a origem do capital mas sim seu destino: o projeto é analisado de forma isolada e sua estruturação é baseada em fontes diversificadas, seja quanto aos acionistas, financiadores, fornecedores de tecnologia, operadores, gestores, etc.  No entanto, a dimensão “projeto”, se o afasta mais ou menos do “estatal” ou mais ou menos do “privado”, de maneira nenhuma deve negar sua natureza “pública”. É justamente sob esta dimensão que o sistema de transporte público, entre outros, deve ser compreendido.

Diante deste olhar teórico, como traduzir essa problematização para os casos reais e quais as efetivas consequências para a estruturação dos projetos? Há que se ponderar que o processo de Modelagem das Concessões, em um sentido lato, perpassando estudos de engenharia, econômico-financeiros, jurídicos, entre outros, é dotado de uma complexidade ímpar. É como se, dada a dimensão público-projeto anteriormente explicada, representasse um microcosmo de toda economia, o que exige a concatenação de múltiplas varáveis em um locus específico. O projeto não representa um único aspecto: diferencia-se radicalmente da representação conceitual típica da engenharia e arquitetura: a evolução sequencial do projeto funcional, básico e executivo. Muitas vezes, o Poder Executivo e os órgãos de controle tentam resolver a implantação de sistemas de transporte público pela consideração de que o essencial é ter um robusto projeto básico ou ainda um detalhado projeto executivo de engenharia. Certamente, estudos robustos e qualificados de engenharia são essenciais, porém estruturar uma Concessão ou PPP não depende apenas disso. Estruturar o “projeto” que será concedido é ir bastante além. Não somente para frente, mas sim para todos os lados, haja vista a natureza multidisciplinar já discutida.

O Governo do Estado de São Paulo lançou um edital de concessão para o Expresso Aeroporto em 2009. Era um sistema de transporte público coletivo de passageiros de tipo seletivo ligando o centro de São Paulo ao Aerorporto de Guarulhos. A modalidade adotada foi a Concessão Comum. A cacterística legal desta modalidade, a prioristicamente, é de que as receitas da concessão advém somente da tarifa cobrada dos usários e das receitas acessórias. Os riscos inerentes à concessão são predominantemente alocados à concessionária privada. O projeto fracassou pois a percepção de risco do setor privado era de que a taxa interna de retorno não compensava os riscos a ele atribuídos. Tentou-se modelar um contrato que alocasse diferentemente os riscos, mas o instituto legal adotado não parecia adequado à época. Uma concessão patrocinada, PPP, poderia resolver o problema, mas o potencial dispêndio de contraprestação pecuniária para este projeto não foi considerado razoável pela administração, pelo caráter seletivo do projeto (a demanda esperada era de 20.000 a 30.000 passageiros enquanto uma linha de metrô/trem urbano de caráter regular transporta centenas de milhares ou até mais de um milhão de passageiros por dia). Logo, a decisão de abandonar o projeto baseou-se tanto na natureza socioeconômica do projeto como na dificuldade em se adequar a matriz de riscos ao instituto da Concessão Comum.

Em 2013, o Governo do Estado de São Paulo lançou um edital de PPP, modalidade Concessão Patrocinada, para a implantação e operação da Linha 6 – Laranja de Metrô em São Paulo. Inovador por várias razões, seja por diferenciar-se dos modelos pregressos como o da Linha 4 – Amarela, como por utilizar em primeiro lugar o Aporte de Recursos, durante a implantação (fase pré-operacional), ousou em delegar ao concessionário toda a implantação e operação, desde os projetos de concepção de engenharia, baseado em diretrizes do edital. O modelo foi bem sucedido, celebrou-se o contrato e a implantação encontra-se em andamento, tendo requerido uma sofisticada estrutura financeira e de garantias. Como Concessão Patrocinada, o projeto requer, pelo seu porte e características do transporte público metroferroviário, significativo dispêndio de recursos públicos, seja por meio de aportes durante a obra, seja pelo pagamento de contraprestações pecuniárias durante a operação. E a cobrança de tarifa complementará as receitas da concessão. A PPP da Linha 6 é um exemplo notório de Concessão que reflete a otimização de mecanismos de financiamento e de gestão em uma efetiva conjugação de esfoços público-privado direcionados à consecução do projeto. Exige complexa e demorada estruturação, assim como uma gestão contratual robusta. O elemento fundamental no sucesso da licitação foi a adequação da matriz de riscos. A disposição e possibilidade legal do ente concedente em mitigar os riscos, diferentemente do caso do Expresso Aeroporto, permitiu viabilizar o projeto. Como pano de fundo, está o alto retorno socioeconômico, traduzido em economia do tempo dos cidadãos, redução do custo do sistema de transporte, redução da poluição e acidentes que uma linha de metrô deste porte propicia, de forma que o alto volume de recursos públicos empenhado ao projeto justifica-se.

Obra da Linha 6 – Laranja de Metrô em São Paulo – VSE Tietê – integralmente a cargo da Concessionária MOVE SÃO PAULO

Obra da Linha 6 – Laranja de Metrô em São Paulo – VSE Tietê – integralmente a cargo da Concessionária MOVE SÃO PAULO

Em 2009 a CPTM, estatal operadora das linhas de trens metropolitanos da Região Metropolitana de São Paulo, detida pelo Governo do Estado de São Paulo, licitou uma Concessão Administrativa para a Modernização da Frota de Trens da Linha 8 – Diamante, conjugada à manutenção dos mesmos por 20 anos. Nesta modalidade de PPP, a única receita da concessão é a contraprestação pecuniária paga pela Administração Pública. No caso em voga, a CPTM foi a contratante, atuando como signatária do contrato, sendo a única modalidade de concessão na qual qualquer ente da administração pode celebrar o contrato. Nas concessões de serviço público, Comum e Patrocinada, o Poder Concedente é exclusivamnte constituído pelos entes federativos – União, Estado, Municípios e Distrito Federal. A contratação foi celebrada em 2010 com sucesso, tendo sido renovada toda a frota da Linha 8 – Diamante da CPTM (a concessionária constituída forneceu 36 trens novos). As vantagens de uma Concessao Administrativa advêm do casamento entre o fornecimentos dos bens e provisão de sua manutenção ao longo de sua vida útil (o limite contratual pela Lei 11.079/04 é de 35 anos) e, no caso desta PPP, o “finance” suportado inteiramente pelo privado, que alavancou um financiamento de longo prazo junto ao BNDES. A CPTM apenas paga parcelas mensais pela disponibilidade dos trens, sem ter participado dos desembolsos iniciais. Por outro lado o “funding” de longo prazo é totalmente baseado no orçamento público, subvencionado pelo Tesouro do Estado à CPTM, empresa dependente. Portanto, a Concessão Administrativa mimetizou tipicamente uma estrutura de “leasing operacional”, pois os pagamentos são associados à qualidade e desempenho. Nesse contexto, o setor privado funcionou como um substituidor de um ente financiador, desonerando o tesouro no curto prazo, que o repaga no médio e longo prazo. Há que se destacar que o gasto público envolvido neste projeto foi socialmente avaliado, tendo um retorno positivo pelas melhorias na operação do transporte de passageiros da Linha 8, que continuou operado pela estatal CPTM, quem, por meio da frota mais moderna e desempenho aprimorado, passou a prestar um melhor serviço à população.

Dessa maneira, vimos como a ótica do projeto deve prevalecer no âmbito das Concessões e PPPs, destacando-se, primeiramente, o impacto socioeconômico. A estruturação do projeto, sob as diversas modalidades de concessão, deve considerar a natureza de cada caso, ou seja, a capacidade de pagamento das tarifas pelos usuários, o potencial de receitas acessórias, a repartição de riscos e identificação dos mesmos, a disposição de dispêndio de recursos públicos pela Administração e sua efetiva disponibilidade, a relação entre “finance” (entendido como capacidade de alancar financiamento privado por meio da concessionária) e “funding” (disponibilidade de recursos de longo prazo para o projeto, por meio do orçamento público e tarifas) e todos elementos de engenharia, lato sensu, que embasam a concepção técnica e dimensionamento do projeto, sob a égide do arcabouço legal-institucional. Finalmente, é importante o aprofundamento do debate para que os elementos modernizadores constantes da Lei 11.079/04, que instituiu as PPPs, possam ser igualmente adotados sob as Concessões Comuns da Lei 8.987/95, na medida em que, nos serviços públicos tal como o transporte público coletivo de passageiros, o projeto há de se subsumir às Políticas e Planejamento Público, de forma que a Política Tarifária não se torna capaz de absorver todos os choques econômicos passíveis de ocorrer ao longo do curso de um contrato de longo prazo. A repartição de riscos na Concessão Comum tem de ser aperfeiçoada e reinterpretada pelos órgãos executivos e de controle da Administração, em prol da aceleração dos investimentos em infraestrutura, necessidade urgente na economia e para a sociedade brasileira nos dias de hoje.

 

*Flávio Chevis é Economista pela FEA-USP, tendo cursado Mestrado em Economia no IE-UNICAMP e Mestrado em Engenharia de Transportes na POLI-USP. É sócio da Addax, empresa especializada em estruturação de Concessões e PPPs de infraestrutra social, tendo participado das Modelagens citadas no artigo, assim como das estruturações das PPPs do SIM/VLT da Baixada, da Linha 18 – Monotrilho, da FURP-medicamentos e dos Complexos Hospitalares, como consultor do Governo do Estado de São Paulo.