22 de setembro de 2014
Flexibilização de horários é antes de tudo uma Política de Transporte
Artigo originalmente publicado no Valor Econômico em 22/09/2014 http://www.valor.com.br/opiniao/3704810/flexibilidade-de-horario-e-antes-de-tudo-politica-de-transporte
A matéria “Empresas flexibilizam horários por mobilidade”, publicada pela jornalista Letícia Arcoverde no Valor Econômico de 28/08/2014, apresenta exemplos de soluções adotadas por empresas para que seus funcionários possam fugir do trânsito de São Paulo.
Se, de um lado, é positivo o fato das empresas estarem atentas à questão da mobilidade urbana e ao impacto que a falta desta gera a seus colaboradores, por outro, esta notícia também fornece indícios de uma tendência da dinâmica urbana da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, que representa uma grande oportunidade para os formuladores de políticas públicas de transporte urbano.
A predisposição voluntária de algumas empresas em flexibilizar seus horários e incrementar o uso de trabalho remoto é sinal de que, se dada a devida atenção, o estímulo a tais medidas pode ser uma boa política pública de mobilidade urbana; eficaz e de baixíssimo custo de implantação.
O gráfico a seguir apresenta o volume dos deslocamentos na RMSP ao longo de um dia útil típico, considerando todos os modos de transporte, motorizados e não-motorizados, inclusive aqueles deslocamentos feitos a pé. A linha contínua apresenta os deslocamentos por motivo trabalho, enquanto a linha pontilhada apresenta a totalidade dos deslocamentos, que também leva em consideração aqueles motivados por educação, compras, saúde, lazer e assuntos pessoais.
Como é possível visualizar, os inícios dos deslocamentos matinais estão concentrados entre 5h e 8h. Nesta faixa horária, as viagens motivadas por trabalho representam cerca de 70% do total das viagens. Considera-se a hora-pico da manhã os dois pontos mais fortes, que compreende as partidas entre 6h e 7h.
Já, a faixa horária de maior concentração no final do dia ocorre entre às 17h e 19h, e é representada em sua maioria pela volta à casa do trabalho. Os dois pontos mais fortes que compreende as partidas entre 17h e 18h correspondem à hora-pico da tarde.
Por fim, o forte pico do meio-dia é explicado pela conjunção da alta frequência de deslocamentos de todos os motivos, com maior peso para educação. Este pico, apesar de ser maior do que os demais, não gera tanto congestionamento, por serem deslocamentos mais curtos e melhor distribuídos entre modos motorizado e não-motorizado.
Adicionalmente, também é visível que o pico das viagens motivadas a trabalho ocorre às 7h, com 2,7 milhões de viagens. Enquanto isso, as viagens iniciadas às 9h ficam em cerca de 700 mil, ou seja, um quarto do volume de viagens iniciadas às 7h.
Logo, o indivíduo que adiar a sua saída de casa das 7h para às 9h conseguirá completar seu trajeto com muito mais conforto e em menor tempo. A mesma dinâmica é válida para o pico da tarde. Logicamente, adiar a saída de casa somente será possível se chegar mais tarde no trabalho não implicar em sua demissão.
É justamente neste ponto que os formuladores de políticas públicas poderiam desempenhar um importante papel: conscientizar os gestores das empresas da importância da flexibilização de horário de trabalho para a qualidade de vida na cidade.
Neste contexto, as secretarias de transporte, municipais e metropolitana seriam os órgãos mais adequados para liderar esta política pública, ativa, de racionalização dos deslocamentos. Assim, assumem um papel de secretarias de mobilidade, coerentes com os conceitos mais modernos de transporte urbano.
Na prática, a Secretaria de Transporte Metropolitano – STM e a Secretaria Municipal de Transportes da Prefeitura de São Paulo – SMT, e suas empresas coligadas, poderiam ter em suas estruturas gerências responsáveis por visitar empresas e entidades de classe, divulgando os benefícios e a viabilidade da flexibilização de horários e do trabalho remoto.
Por que incentivar tais medidas interessaria às secretarias de transporte? Os investimentos em infraestrutura de transporte são dimensionados para atender a demanda por transporte na hora de pico. Ou seja, a vazão das vias e dos corredores de ônibus, a quantidade de ônibus e dos trens em circulação serão aquelas necessárias para atender as 4,5 milhões de viagens na hora pico, ficando ociosos nos demais horários.
Caso 20% das pessoas que iniciam seus deslocamentos por motivo trabalho entre às 6h e 7h passassem a iniciá-los entre às 8h e 9h, o pico de demanda cairia de 4,5 milhões para 4,0 milhões, o que permitiria níveis de conforto e performance bem melhores.
Neste cenário, os investimentos em infraestrutura não seriam mais aqueles necessários para atender os 4,5 milhões de deslocamentos de 2012, mas sim 4,0 milhões, o que implicaria em uma redução de 11% do investimento necessário, se assumíssemos uma relação linear entre demanda e custo.
Com este exemplo, fica fácil concluir que a predisposição voluntária destas empresas representa uma grande oportunidade para as secretarias de transporte.
Em suma, vale a pena para estas secretarias investir em estrutura, equipes e campanhas permanentes destinadas a incentivar a flexibilização de horário e o trabalho remoto, pois certamente o retorno social destes investimentos será elevado, na medida em que incrementam expressivamente, e já no curto prazo, a mobilidade urbana e, consequentemente, a qualidade de vida nas cidades.
Roberto Gentilezza
Analista econômico-financeiro na Addax
Flavio Chevis
Consultor e sócio da Addax,
consultoria especializada em
estruturação financeira de PPPs e
projetos de transporte